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Game, Prosa & Texto: Sonic e a complicada relação entre jogos e cinema

Agora que a internet já tirou sarro suficiente do primeiro trailer para o filme do Sonic, chegou a hora de conversarmos melhor sobre esse assunto, que rende mais do que o esperado quando o avaliamos de maneira mais fria e pragmática. E, se você não viu o trailer ainda, som na caixa:

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Jogos e filmes têm uma relação complicada. Existe uma “regra” que diz que jogos baseados em filmes e filmes baseados em jogos não dão certo. Enquanto temos alguns games que servem de exceção à regra, com excelentes exemplos de jogos baseados em filmes, o outro lado não tem dado muito certo e é difícil mencionar algum filme de jogo que seja universalmente considerado bom ou que passe do “ah, ok”. Neste artigo, que vem como complemento ao episódio dessa semana do Game & Prosa, vamos discutir o que faz um bom jogo e um bom filme e porque essas duas coisas têm tanta dificuldade para se comunicar.

Vamos começar recapitulando alguns jogos baseados em filmes com boas notas no Metacritic para poder citá-los como referência mais tarde:

Goldeneye 007 | 96
Spider-Man 2 | 80
Star Wars: KOTOR | 93
Star Wars: Battlefront 2 | 84
The Warriors | 84

E alguns dos filmes baseados em jogos que contam com as “melhores” notas no Metacritic:

Mortal Kombat | 58
Final Fantasy: The Spirits Within49
Pokémon Detective Pikachu | 50
Prince of Persia: Sands of Time | 50
Resident Evil: The Final Chapter | 49

Baseando-se apenas em notas é possível ver que os jogos de filmes têm se saído melhor do que o outro lado da moeda. Mas ainda assim existe uma infinidade de filmes que viram jogos e nem ficamos sabendo, dado o seu baixíssimo nível. Vamos analisar alguns casos dos dois lados para entender o porquê.

Por que jogos baseados em filmes dão errado?

– Games usados como marketing

A primeira coisa que deve ser levada em consideração é a força criativa por trás do desenvolvimento de um jogo. Jogos baseados diretamente em filmes geralmente são criados como uma forma de promover o filme, agindo como uma grande propaganda. Isso é especialmente comum em filmes infantis e animações, que se preocupam menos ainda em criar um jogo competente, aproveitando que crianças têm menos senso crítico.

Se olharmos a lista dos jogos baseados em filmes melhores classificados vemos que apenas Spider-Man 2 é diretamente “amarrado” ao filme, servindo mais como exceção da regra. Os outros títulos bem colocados se baseiam no universo de Star Wars, mas não diretamente num filme específico.

O jogo baseado em E.T.: o Extraterrestre é considerado como um dos piores jogos da história e para muitos analistas mais exagerados, o responsável pelo primeiro grande crash da indústria dos games, nos anos 80. Mas essa previsão estava muito longe dos produtores na época. Howard Warshaw, programador responsável pela criação do game, comentou com a BBC que “os chefes acreditavam que se colocássemos qualquer coisa pra fora com o nome do E.T. junto, venderia milhões e milhões“. Certamente não foi o caso. 

– Muitos chefes

F azer um jogo baseado num filme faz com que os desenvolvedores tenham que lidar com diversas licenças e seus proprietários. Imposições e feedbacks aparecem de todos os lados e muitas vezes os devs precisam fazer mudanças que não estão dentro da visão criativa que tinham para o jogo. Além disso, estão sendo usadas as imagens de atores famosos, que deram vida para os personagens nas telas, e a maneira como essas pessoas serão representadas também podem impactar na produção. 

Na mesma entrevista à BBC citada acima, Warshaw comenta qual foi a primeira reação de ninguém menos que Steven Spielberg ao ver game baseado em seu filme: “Você não poderia fazer algo mais parecido com Pac-Man?“. O programador teve que convencer o diretor a fazer algo diferente antes de poder seguir com o desenvolvimento do jogo, num curtíssimo período de apenas cinco semanas.

Spider-Man 2, que continuamos citando como uma exceção quase “milagrosa” da regra, tinha que lidar com chefes vindo de três gigantes diferentes: Sony, Marvel e Activision. “No fim das contas, como desenvolvedor, quando falamos desse tipo de relações, você é meio que peixe pequeno. Você é interessante se tiver algo interessante para mostrar; se você fizer alguma besteira, você é o pirralho que vai levar a culpa. Mas não há muita comunicação direta.” – Afirmou Tomo Moriwaki, diretor criativo do game.

– Deadlines absurdos

Para poder agir como um produto de marketing, os jogos baseados em filmes precisam ser lançados numa janela específica, definida pelos produtores com base no lançamento do filme no cinema, e isso causa o próximo problema.

Desenvolvedores precisam cumprir o deadline estipulado para entregar o jogo na data marcada para que ele possa ser usado na promoção do filme, atrasar não é uma opção, independentemente dos problemas que possam ser encontrados durante o desenvolvimento do game. Isso significa que, para entregar o game na data certa, pedaços inteiros são cortados ou testes deixam de ser feitos, etc. A história do próprio Spider-Man 2, que é um exemplo que deu certo, mostra como esse jogo é um “ponto fora da curva” e tinha tudo para dar errado:

Nós tivemos que jogar fora o que pode ter sido centenas de meses de trabalho neste espaço recreativo subterrâneo colossal que tem talvez quase um terço do escopo da cidade sobre a terra. Nós tínhamos este sistema de esgotos gigantesco, super diferenciado, que era como um labirinto de hamsters de espaços variados que você poderia se balançar ou escalar por aí. E alguns dos chefes estariam lá embaixo, e nós tínhamos encontros lá embaixo que eram completamente insanos. E, talvez nos últimos meses do desenvolvimento, ficou claro que precisávamos cortar, e aquele foi um dia triste.
Tomo Moriwaki, diretor criativo da Treyarch na época, falando com a US Gamer

Como citado antes, Warshaw teve um deadline ridiculamente pequeno para fazer E.T. É claro que antigamente os jogos tinham uma janela de desenvolvimento bem menor, mas ainda levavam entre seis e oito meses para serem criados, não pouco mais de um mês.

Em muitos casos o que acaba sendo cortado do jogo são sessões mais extensas e importantes de testes para encontrar não apenas bugs, mas também momentos em que o jogo simplesmente não é divertido de ser jogado. – “Era um jogo terminado, mas com certeza não era perfeito. Havia oportunidades demais em que você poderia de repente ficar numa situação esquisita. Isso era demais para muitas pessoas e fez com que elas largassem o jogo.” – Warshaw, ainda falando sobre E.T.

O caso de Spider-Man 2 ter dado certo veio de uma quantidade incrível de trabalho dos desenvolvedores, principalmente no famigerado “crunch“, que não vou entrar em detalhes aqui porque rende um outro episódio e artigo do Game & Prosa à parte.

– Pressão vs. preguiça

É fácil imaginar a quantidade de pressão criada pelo estilo de trabalho no desenvolvimento de um jogo baseado num filme e isso pode abalar os desenvolvedores.

A pressão do mercado faz diferença – quanto você acha que a licença para Matrix custou? Você pode ter ouvido falar que jogos são maiores do que filmes. Isso é um mito de economistas criativos. Nós somos as vadias de Hollywood. Nós pagamos uma quantia extorsiva de dinheiro para licenciar outras mídias – quadrinhos, TV, filmes – e nós estamos simultaneamente desistindo da nossa capacidade de fazer nossa própria propriedade intelectual.
Seamus Blackley, co-criador do Xbox falando com a Wired

Mas, se existe uma grande pressão de trabalhar com nomes desse tamanho, há também o outro lado, uma certa “comodidade” em criar um produto que você tem certeza que vai vender muito. Além da fala de Warshaw, citando seus chefes no desenvolvimento de E.T. lá nos anos 80, isso também acontece em anos mais atuais. 

Inclusive, alguns desenvolvedores ficam preguiçosos e usam a licença como uma muleta. Tipo como se eu tiver a J.Lo num filme, eu tenho algum retorno garantido. Eu ganho um grande fim de semana de abertura, mesmo que filme seja péssimo.
Jason Della Rocca, diretor de programas da International Game Developers Association

Não se esqueça, o jogo de Matrix vendeu bem. Os jogos do Hulk e do Spider-Man também venderam bem, considerando o conteúdo. Jogos de Star Wars, bom, alguns deles são ótimos e outros não são, mas eles vendem bem. A moral da história é que fãs desesperadamente querem imergir nesses mundos dessas franquias, e eles estão dispostos a pagar por isso e aceitar os problemas no gameplay.
Jason Rubin, co-fundador da Naughty Dog

Por que filmes baseados em jogos dão errado?

– Expansão do público

Jogos e filmes são criados com tipos diferentes de público em mente. Quando um jogo vira filme, geralmente seus produtores sentem que precisam alcançar um público maior que o original do jogo para fazer o trabalho “valer a pena”. E é nessa expansão do público que muitas coisas podem acabar sendo perdidas na “tradução”.

Mortal Kombat é um exemplo muito simples disso. Enquanto o jogo é famoso pela sua violência excessiva e muito do seu sucesso no início da série se deve às polêmicas que vieram disso, o filme mal tem sangue e os Fatalities, tão icônicos para a série, aparecem uma vez ou outra e não são os originais. Tudo isso para garantir a classificação de 14 anos e poder alcançar um público maior. Diferente de comprar um jogo, na maioria dos cinemas a entrada de um menor pode simplesmente ser barrada em alguns lugares. E isso porque ainda estamos falando de um filme que foi até que “bem” recebido e tem seus fãs.

E essa é uma característica que não dá pra esperar que mude. Independente de opiniões sobre a qualidade final do filme, é a expansão do público que traz o maior retorno financeiro. A franquia dos filmes baseados em Resident Evil está longe de ser aclamada pela crítica, mas com os ganhos que tem emplacado, seria difícil argumentar com os produtores para que fizessem o filme de algum jeito diferente.

– Falta de entendimento do conteúdo

Uma reclamação recorrente para fãs de determinados jogos que viram filmes é como a obra não respeita o material original. Já entendemos que mudanças sempre serão feitas, para garantir um alcance maior de público, mas algumas produções apresentam mudanças de elementos e a incorporação de outros que mostram uma extrema falta de entendimento do conteúdo fonte para o filme.

Um bom exemplo deste caso é o uso de Pyramid Head no filme de Silent Hill. O monstro foi introduzido no excelente game Silent Hill 2 e é um dos personagens mais aclamados da série. Ele foi levado para o filme e sua caracterização não está das piores, mas por quê, então, seu aparecimento é problemático? O caso é que Pyramid Head é uma aparição intimamente atrelada à história de James Sunderland, protagonista do jogo. O monstro não é apenas uma “criatura” da cidade “assombrada”, ele é uma manifestação horripilante do sentimento de culpa, negação e desejos reprimidos de Sunderland, uma aberração de masculinidade exacerbada que emana agressividade e violência de forma fálica. Ainda faremos um Game & Prosa sobre Silent Hill 2, mas estou fugindo do assunto.

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Ao entendermos melhor o Pyramid Head fica claro que sua presença no filme não faz muito sentido, e fica claro também que os produtores do filme não entendem o personagem ou não se importam. A inclusão de certos personagens e referências aparecem mais como “fanservice” ou como um mecanismo para atrair os jogadores que vão ver determinada cena no trailer e falar “nossa igual ao jogo” e pagar para assistir ao filme.

O que fazer para melhorar?

Pela análise feita neste artigo podemos observar que os problemas em jogos de filmes e filmes de jogos são diferentes.

Jogos baseados em filmes geralmente enfrentam problemas com deadlines e muitos produtores envolvidos para pedir mudanças.
Filmes baseados em jogos mostram uma preocupação maior em atingir mais público do que, necessariamente, entender o material de onde vêm.

Partindo-se dessas premissas podemos ver que jogos têm potencial muito maior de dar certo do que filmes simplesmente pela vontade de fazer algo bom por trás de seus criadores. E isso se reflete no que temos visto sendo lançado, afinal temos games baseados em filmes com avaliações bem melhores do que o contrário.

Então é possível imaginar que teríamos jogos melhores com uma maior liberdade criativa e mais confiança no trabalho dos desenvolvedores sendo garantida, além, é claro, de janelas de lançamento compatíveis com o trabalho que é necessário para se criar um jogo.

Para filmes baseados em jogos, no entanto, é um pouco mais difícil ter esperanças de ver mais qualidade, já que algumas franquias mostram que, independente da crítica, é possível ter um grande retorno financeiro.

Também podemos observar que jogos que se baseiam no universo dos filmes, mas que não são uma adaptação direta do que passou no cinema, também tendem a se sair melhor, como é o caso de muitos dos games da franquia Star Wars. Os melhor colocados foram desenvolvidos se baseando no lore e no universo da franquia, mas não nos episódios específicos das telas. Talvez seria interessante que filmes baseados em jogos seguissem nessa mesma linha mais vezes, assim como Assassin’s Creed fez. Aliás, talvez um exemplo melhor disso seja Detona Ralph, que não é bem um filme baseado num vídeo game específico, mas baseado na cultura no geral. Esse se saiu bem.

Mas e o Sonic???

Não sou fã de ficar fazendo previsões do futuro, mas o filme do Sonic, pelo trailer, parece estar caindo nas duas armadilhas citadas neste artigo para filmes baseados em jogos.

Buscando “expandir o público“, o filme parece cair no velho clichê do “personagem trazido para nosso mundo”, que é um tema batido e entediante. Ainda para levar mais gente ao cinema, temos Jim Carrey no papel de Robotnik, que certamente se destacou no trailer, mas, por mais que este seja um ator muito divertido que talvez acabe ajudando o filme, dá pra ver que a escolha foi feita mais se pensando num grande nome do que em alguém que realmente seria o melhor Robotnik.

Parece que temos também problemas de “entendimento do material“, mas aí eu culpo menos os produtores. O lore de Sonic é uma bagunça e, dependendo do ano, você pode ter um mundo com apenas animais, cheio de humanos, viagens no tempo, criaturas demoníacas. Enfim, quase tudo é permitido porque vai ter aparecido em algum game. Mas, neste caso, talvez seria interessante entender quais jogos realmente consagraram o Sonic e tornaram ele o personagem icônico que é hoje. Qual será uma melhor inspiração para o filme? O Sonic The Hedgehog original, lançado em 1991 ou o Sonic The Hedgehog de 2006?

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