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Games

Qual é o limite da violência nos games?

Ao longo da história vÁrios produtos culturais não seguiram o que é considerado a “conduta  correta da moral e dos bons costumes”. Desde Sócrates, passando pelos quadrinhos e os filmes, muitos foram os “corrompedores da juventude”, combatidos pelas forças políticas, legais e religiosas. No últimos anos, o crescimento da indústria dos games deu relevância ao setor, e começaram os embates entre diversas esferas da sociedade contra jogos que consideravam estar “passando dos limites”.

 


O foto-jornalista britânico Robbie Cooper registrou a expressão de diversas pessoas, enquanto jogavam jogos com algum grau de violência, como Halo 3, Grand Theft Auto 4 e Call of Duty. (fonte: divulgação/Robbie Cooper)

 

O objetivo deste artigo é ambicioso: discutir a linha tênue entre um produto de entreterimento e um manual de treinamento de assassinos e escórias da sociedade. Com um objeto de estudo que toca em diversas questões controversas, aqui teremos um apanhado bastante amplo de elementos para buscar algum esclarecimento sobre o assunto: um histórico dos jogos que esbarraram em questões éticas e até judiciais, algumas pesquisas científicas sobre o assunto, a legislação brasileira e, para finalizar, algumas conclusões. Eu escrevo aqui as minhas, e você posta um comentÁrio com as suas.

Os primeiros jogos eram inocentes, com temas esportivos como Pong, ou com temas mais abstratos como o “Spacewar!”, um dos primeiros jogos de computador conhecido, onde dois jogadores tentavam destruir a nave do outro. Apesar do “guerra” no nome do jogo, e o objetivo destrutivo, o jogo não era ofensivo. Isto mudaria alguns anos mais para frente, quando surgiram jogos com temas mais pesados e imagens com mais brutalidade.


Tela de uma partida de Spacewar!

 

Os jogos de tiro em primeira pessoa são um dos primeiros a exibir um grau mais forte de violência, e também a enfrentar problemas judiciais. Um jogo na memória de muitos jogadores brasileiros é o “Wolfenstein 3D”, lançado em 1992 para PC. Com enredo situado na Segunda Guerra Mundial, você encarnava o soldado americano William “B.J.” Blazkowicz na tentativa de fugir de uma fortaleza nazista. Com sangue voando de cada soldado alemão que o jogador mata, e algumas cenas curiosas como o enfrentar o próprio Hittler à bala, o jogo provocou polêmica não apenas pela sangria na tela, mas também pelo tema, com a inclusão de músicas do partido nazista como “Horst-Wessel-Lied”, suÁsticas e diversos elementos visuais do nazismo. O jogo chegou a ser tirado de circulação na Alemanha, devido a uma legislação específica do país que proíbe a exibição destes elementos.

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Screenshots do Wolfestein 3D

Para contornar os problemas como este, na versão para Super Nintendo do jogo substituíram o sangue que voava dos soldados alemães quando mortos por algo que parece suor, e os cães que atacavam o personagem ao longo do jogo deram vez a “ratos gigantes”. Todas as referências ao nazismo foram retiradas nesta versão, que acabou não tendo o mesmo sucesso que a versão para PC. “Wolfenstein” é um dos primeiros exemplos de jogos que fizeram adaptações buscando contornar problemas judiciais, atenuando os elementos mais violentos ou controversos.

Poucos foram os jogos que conseguiram uma reposta mais negativa que o “Rapelay”. Produzido pela Ilusion e lançado em 2006, o jogo reunia diversas temÁticas polêmicas no enredo, como estupro e aborto. O protagonista tinha como objetivo violentar sexualmente uma mulher e suas duas filhas. A jogabilidade também trouxe muita aversão por parte do público, com o jogador tendo a capacidade de controlar as posições sexuais ao longo do estupro.


Imagem de divulgação do jogo Rapelay

O jogo hoje estÁ disponível no Brasil através comércio informal e através de download em redes P2P ou por torrent. O game japonês gerou muita discussão no país, pois não existe uma legislação específica sobre violência sexual simulada em games na legislação brasileira.

Assim como o “Rapelay”, que tem como ambiente uma estação de metrô, o jogo “Gran Theft Auto” (GTA) gerou polêmica por retratar ambientes do cotidiano de forma realista, e possibilitar ao jogador praticar atos de violência como matar ou roubar pessoas nas ruas. O jogo ganhou destaque pela alta vendagem, com mais de 40 milhões de cópias vendidas, especialmente a partir do GTA III, quando a série adotou a imersão em um ambiente 3D. Além da violência urbana bem representada, especialmente pelo sangue das pessoas agredidas, o enredo do  jogo trata de outras temÁticas pesadas como prostituição, sexo e gangues.

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Imagens da série Grand Theft Auto

A popularização dos jogos multiplayer online, especialmente do estilo MMORPG (Massive Multiplayer Online RPG), deram espaço a um novo tipo de violência: a agressão entre jogadores reais. Enquanto na maioria dos jogos listados a violência ocorria somente entre o jogador e personagens controlados pelo computador, nestes jogos a agressividade ocorre entre pessoas através do mundo simulado no jogo. A violência nestes casos engloba mais que os ataques da própria mecânica do jogo. Em alguns casos, jogadores criam alvos específicos e passam a perseguir incessantemente uma pessoa, buscando humilhÁ-las usando outros mecanismos como o chat do jogo.

Antes da enxurrada de comentÁrios: sim, existiu um jogo com atropelamentos bem antes de “Carmageddon” (falaremos deste no próximo capítulo), um jogo com estupro antes de “Rapelay”, e por aí vai. Estou sendo injusto com pelo menos um jogo ou dois, que poderiam estar nesta lista (tem até jogos em que você pratica genocídio). Mas o importante é que a esta altura, jÁ temos uma ideia do histórico da questão dos jogos violentos.

Quem sabe, o jogo que você acha que falta não entrou no Adrenaline Top 10: Os jogos mais violentos

“Carmageddon” é o marco das disputas envolvendo o judiciÁrio e o jogos em território nacional. O jogo foi lançado em 1997 no Brasil, e a comercialização foi proibida poucos dias depois. Baseado no filme “Death Race 2000”, o jogo é completamente anÁrquico, com vÁrios atropelamentos e muito sangue. O jogador pode escolher entre matar o maior número de pessoas atropeladas, destruir os carros dos adversÁrios ou o tradicional “correr mais rÁpido” para vencer a corrida.

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Imagens da série Carmageddon

Assim como “Wolfenstein”, possuía versões atenuantes, que colocavam robôs ou zumbis para serem atropeladas ao invés de pessoas. Nada que tenha impedido sua proibição e a de sua sequência, o “Carmageddon II: Carpocalypse Now”. Antes do “Carmagedon”, outros jogos jÁ haviam sido ameaçados de censura no Brasil, títulos conhecidos como “Doom” (1993) e “Mortal Kombat” (1992).

O jogo “Counter Strike” chegou a ser recolhidos das lojas pela Fundação e Proteção do Consumidor (PROCON) em 2008. A entidade declarou que a ação ocorreu porque  “foram considerados impróprios para o consumo, na medida em que são nocivos à saúde dos consumidores”. Decisão tomada pelo juiz federal Carlos Alberto Simões de Tomaz, da 17ª Vara Federal da Seção JudiciÁria do Estado de Minas Gerais, a ação teve valor para todo o território nacional. O ponto central da discussão eram fases onde eram reproduzidos conflitos entre traficantes do Rio de Janeiro e a polícia, com temas como terrorismo e sequestros

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A Eletronics Arts, produtora do jogo, não criou estas fases e também não inclui no jogo original. “Itens como traficantes, a cidade do Rio de Janeiro, favela, trilha sonora funk e pontuação extra por matar PMS não fazem parte do jogo original. Estas modificações foram criadas por pessoas que não têm qualquer tipo de ligação ou relacionamento com ambas as empresas e que dispuseram seu download gratuitamente pela internet”, defendeu-se a empresa. Com a popularização deste kit adicional de fases, uma quantidade grande de jogadores possuía o jogo com esta versão modificada. Na mesma decisão judicial, foi proibido a comercialização do jogo Everquest, pois “leva o jogador ao total desvirtuamento e conflitos psicológicos ‘pesados’; pois as tarefas que este recebe, podem ser boas ou mÁs”, de acordo com o PROCON.

No mesmo ano, o jogo “Bully” foi proibido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Com enredo situado em uma escola, o jogador encarna Jimmy Hopkins, e tem que lidar com diversos clichês deste tema, como apanhar dos valentões da escola, lidar com pressões como fofocas, intrigas e lutas entre os estudantes. O ministério entendeu que “fundamentalmente, situações ditadas pela violência, provocação, corrupção, humilhação e professores inescrupulosos, nocivo à formação de crianças e adolescentes e ao público em geral”. O jogo foi criado pela Rockstar, produtora que ficaria famosa com outros jogos controversos como a série “Grand Theft Auto”.


Imagens do jogo Bully

 

Não faltam pesquisas sobre a influência de jogos violentos no comportamento dos indivíduos, especialmente nos jovens. É grande também a frequência da publicação de novos estudos. Com esta abrangente bibliografia sobre o assunto, é possível afirmar, simultaneamente que os jogos são decisivos na promoção de comportamentos agressivos, tornando as pessoas insensíveis à violência, mas também são uma influência positiva no desenvolvimento de crianças. Mesmo com um expressivo número de pesquisas, não é possível ter uma posição clara baseando-se apenas na ciência.

O que causa esta discrepância tão grande nos resultados? A maior parte acontece por conta da metodologia usada. Não existe uma forma segura de medir como jogos, ou qualquer outro produto cultural, influenciam no comportamento dos indivíduos. Isto torna difícil medir o quanto um jogo pode agir tornando uma pessoa violenta. Cada forma de testar traz um resultado diferente, e ninguém sabe qual o método é o mais adequado, ficando a critério do pesquisador a escolha da metodologia. Em alguns casos, a escolha é proposital: caso queira que os jogos sejam os vilões, testa de uma forma, se quer os absolver, usa outra.

Na maioria, as pesquisas estão focadas em duas teorias: 1) a de que os jogos influenciam o comportamento das pessoas, tornando-as mais propensas a comportamentos violentos, e 2) a teoria de que jogos são “vÁlvulas de escape”, onde as pessoas liberam suas tensões, sem tornam-se agressivas nas demais atividades da vida. Outra corrente teórica que ganhou força recentemente é a de que os jogos somente influenciam pessoas com alguma propensão a atos violentos. Assim, os games seriam um dos elementos que atuaria no comportamento dos indivíduos, porém somente nos casos onde a pessoa jÁ vive em uma situação de fragilidade ou sofra influência de outros fatores que incentivem o comportamento agressivo.

A controvérsia sobre os jogos na Área da pesquisa abrange mais do que a incitação de comportamentos violentos. HÁ grandes diferenças entre as pesquisas abordando a influência dos jogos na vida social dos indivíduos, especialmente nos jovens e crianças. Numa ponta, concentram-se pesquisas que afirmam que os jogos são espaços onde as pessoas podem interagir, fazer novas amizades e se socializar. Em outra, pesquisas apontam que os jogos são usados como forma de fugir da realidade, com os indivíduos jogando por períodos excessivamente longos e os levando a perder contato com amigos e familiares. Neste extremo temos os casos das pessoas que viciam em jogos, com quadros semelhantes ao de usuÁrios dependentes de maconha e Álcool.

Não existe, no Brasil, uma legislação específica sobre a violência simulada em jogos eletrônicos. A principal norma aplicada é a Portaria n° 1.100, de 14 de julho de 2006, que regulamenta a classificação indicativa dos jogos. A portaria regulamenta jogos eletrônicos, filmes, e diversos produtos de entretenimento. O principal elemento desta regulamentação é a divisão dos produtos em classificações etÁrias, indicando a qual público a atração é recomendada. As distribuidoras e produtoras ficam obrigadas a publicar de forma facilmente visível a classificação do produto.

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Rankings da classificação indicativa

A função da classificação indicativa é servir de referência, especialmente aos pais, de que espécie de conteúdo é exibido a indivíduos menores de 18 anos. Os pais ou responsÁveis tem a possibilidade de assinar um documento autorizando o filho a ter contato com uma atração considerada inapropriada para a idade. O Departamento de Justiça responsÁvel pela avaliação recebe fotos e vídeos do jogo e, em alguns casos, o jogo completo para testes. Os critérios para decisão de qual o ranking serÁ enquadrado considera elementos como a presença de violência, drogas e sexo. A comissão que decide a classificação é composta por mais de uma pessoa e também é aberta à participação de voluntÁrios.

Como não hÁ uma legislação específica sobre violência nos jogos, nos momentos em que jogos foram proibidos no Brasil, os responsÁveis pelas sentenças enquadravam os games em alguma outra norma. No caso do Rapelay, não era possível validar a proibição em decorrência da violência sexual presente ao longo do enredo, pois a legislação vigente não tipifica o crime de abuso sexual simulado de menores de idade. Na maioria dos casos, as decisões judiciais são escoradas no princípio de defesa do consumidor, considerando que os produtos proibidos, no caso os jogos, eram nocivos à saúde dos consumidores.

 


Senador Valdir Raupp, autor do projeto que proíbe a venda de jogos violentos

EstÁ em trâmite na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania o projeto de lei do senador Valdir Raupp que visa regularizar a presença de violência nos jogos, aplicando pena de até 3 anos para quem distribuir jogos considerados ilegais. O projeto é polêmico devido aos termos excessivamente genéricos para caracterizar estes jogos. No texto original, o crime estÁ descrito da seguinte forma: “Fabricar, importar, distribuir, ter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos aos costumes ou às tradições dos povos, bem como a seus cultos, credos, religiões ou símbolos.” A principal preocupação é que esta mudança na lei torne-se um mecanismo para ações judiciais exageradamente conservadoras, enquadrando nesta regulamentação qualquer jogo com alguma violência.

Com exceções como “Postal”, ou “Rapelay”, ter clareza de até que ponto os jogos podem simular a violência não é simples. Estes dois são apenas casos em que hÁ praticamente um consenso em que este limite foi ultrapassado. Para os outros casos, é preciso a criação de normas específicas, através dos mecanismos democrÁticos, que sirvam de referência de como analisar cada caso e como proceder. Não regulamentações como o projeto de emenda proposto por Raupp, que por ser tão genérica e evasiva acaba sendo pouco melhor que não existir nenhuma norma.

O setor de jogos apresentou um crescimento extraordinÁrio nos últimos anos, e precisa ser pensado com a mesma seriedade que diversos outros produtos de entretenimento. Em relação aos games jogados por crianças, mecanismos como a classificação indicativa jÁ representa um forte avanço, atribuindo responsabilidades tanto sobre o poder público, quanto produtoras de jogos e pais e responsÁveis, para tomadas de decisão sobre o que as crianças podem ter contato.

Quanto a influência dos jogos, atribuir ao “Duke Nuke 3D” a culpa pelos assassinatos cometidos por Mateus da Costa Meira, conhecido como “O Atirador do Cinema”, durante a exibição do filme “Clube da Luta”, soam mais como uma tentativa de seus advogados de isenta-lo da culpa de seus atos do que um argumento sério. É preciso cautela, para não agir de forma excessivamente severa por conta de casos isolados.

Não é possível jogar o peso da responsabilidade da violência que ocorre na sociedade para os jogos eletrônicos, porém eles também são representativos e assim como diversos outros fatores, tem a sua relevância. O importante é que qualquer lei ou cuidado deve manter os jogos sendo exatamente o que são, e nada mais: produtos para entreter.

MAIS: Para quem ficou curioso sobre mais jogos violentos, dê uma olhada no Adrenaline Top 10: Os jogos mais violentos.

 

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